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Abutres-pretos e amizade. Laços improváveis no LIFE Aegypius Return

Em Portugal, o projeto LIFE Aegypius Return tem acompanhado os movimentos de dezenas de abutres-pretos (Aegypius monachus) e identificado comportamentos que sugerem laços sociais inesperados entre alguns indivíduos. São histórias singulares que mostram que a amizade pode despontar onde menos se espera. 


Abutres-pretos (Aegypius monachus) ©Bruno Berthemy 
Abutres-pretos (Aegypius monachus) ©Bruno Berthemy 

A amizade para lá da humanidade 

A amizade não é exclusiva dos humanos. Outros animais são capazes de criar laços fortes e duradouros que vão muito além da simples cooperação. A investigação científica mostra que o que chamamos “amizade” – uma relação voluntária e persistente, muitas vezes sem benefícios imediatos – também existe no mundo animal

Entre os humanos, a amizade é essencial para a saúde e o bem-estar, fortalecendo a cooperação, a resistência às dificuldades e a própria sobrevivência. E, tal como em nós, também noutras espécies sociais se observam vínculos seletivos e incondicionais, isto é, sem benefícios práticos percecionáveis. 



Conheça alguns exemplos de relações especiais documentadas em espécies de aves: 


O que nos dizem os abutres?

 

Os benefícios da cooperação entre abutres estão bem documentados. Os grifos, por exemplo, atuam como sentinelas na deteção de carcaças, beneficiando todo o grupo. Os quebra-ossos, por vezes, formam unidades reprodutoras com três ou quatro indivíduos, o que gera benefícios na divisão dos cuidados parentais. Estes comportamentos demonstram um nível de complexidade social que implica familiaridade e confiança entre indivíduos, semelhante a amizade. No entanto, a amizade incondicional – um laço duradouro que ultrapassa as necessidades de sobrevivência – é mais difícil de identificar e comprovar. 

Em Portugal, alguns abutres-pretos monitorizados com emissores GPS no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return têm revelado comportamentos invulgarmente próximos, que sugerem afinidades mais fortes do que a mera coexistência territorial. Não podemos provar a incondicionalidade desses laços, mas assistimos com certeza a uma afinidade surpreendente. 

 


Almeirão e Arçã: os inseparáveis 


Conheceram-se em novembro de 2023 no CERAS (Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens gerido pela Quercus, em Castelo Branco).  

A Arçã foi resgatada com pouco mais de um ano, débil, em Évora. Depois de tratada no CARAS (Centro de Acolhimento e Recuperação de Animais Silvestres gerido pela Liga para a Protecção da Natureza – LPN), na mesma cidade, foi transferida para Castelo Branco, onde já estava o Almeirão, um macho. Também nascido em 2022, foi resgatado em setembro desse ano, em Belmonte, e recuperado no CERAS. 

O CERAS foi a casa comum destes jovens abutres até maio de 2024, quando foram transferidos para a estação de aclimatação do Douro Internacional. Em novembro desse ano, regressaram à liberdade, e, desde então, têm sido inseparáveis.  

Os dados de GPS e as observações de campo mostram que continuam a percorrer o vale do Douro, com visitas regulares a Espanha, quase sempre próximos um do outro. Voam, alimentam-se e pousam sincronizadamente, como se um espelhasse o outro.  

Muito recentemente, começaram a exibir comportamentos que poderão indicar o início da construção de um ninho. São ainda jovens, mas talvez o seu laço vá além da amizade… 


Movimentos síncronos dos abutres-pretos Almeirão (laranja) e Arçã (amarelo) - 20/07/2025
Movimentos síncronos dos abutres-pretos Almeirão (laranja) e Arçã (amarelo) - 20/07/2025

Farrobo e Vidigueira 


Nem todas as amizades terão motivações românticas. Farrobo e Vidigueira – respetivamente um macho e uma fêmea – são as únicas crias sobreviventes dos nascimentos deste ano na recente colónia de Vidigueira/Portel.  

Os movimentos GPS mostram que, desde que começaram a voar, se têm mantido sempre próximos um do outro e da colónia. E, à semelhança do par do Douro, por vezes voam, pousam e alimentam-se em total sincronia.  

Ainda faltam vários anos até atingirem a maturidade sexual, pelo que o que os une parece ser, por agora, uma simples amizade – talvez uma forma de aprendizagem e segurança mútua enquanto descobrem o mundo... 


Movimentos dos abutres-pretos Farrobo (amarelo) e Vidigueira (laranja); movimentações sincronizadas destacadas a azul. 
Movimentos dos abutres-pretos Farrobo (amarelo) e Vidigueira (laranja); movimentações sincronizadas destacadas a azul. 

Para além do instinto 

A prudência científica impede os investigadores de atribuir sentimentos aos comportamentos animais. No entanto, os padrões observados são inegáveis. 

Quer estes laços resultem de experiências partilhadas em cativeiro, de instinto de sobrevivência, de uma tendência social, ou de uma afinidade mais próxima, revelam que os abutres têm personalidade e um lado inesperado de uma espécie geralmente (e injustamente) conotada com características negativas. 

Estas histórias trazem ainda um novo prisma à importância da tecnologia e da monitorização remota, que permite observar dimensões sociais até há pouco desconsideradas em estudos de conservação. 



 
 
 

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